“Foi só uma vez” — Como a credibilidade quase nula da mulher é o habeas corpus de assediadores em casos de assédio corporativo
O assédio cultural, especialmente no contexto do assédio corporativo, consiste na normalização de comportamentos abusivos, sustentada pela culpabilização da vítima.Dessa forma, a negligência da justiça assegura a proteção de quem não precisa.
Façamos uma analogia extrema: um homicídio cometido com uma arma de fogo, independentemente do número de disparos, segue sendo um crime. No entanto, quando se trata de assédio, especialmente contra mulheres, a sociedade insiste em relativizar.
Seja um episódio isolado ou recorrente, a vergonha e o medo da responsabilização impedem muitas de denunciarem. Certamente, o maior obstáculo é o receio da impunidade: 78,4% das vítimas acreditam que nada será feito contra o agressor. Consequentemente, no ambiente corporativo, soma-se o temor de retaliação e perda do emprego, o que faz com que muitas permaneçam em silêncio.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que mais de 20% dos trabalhadores no mundo já sofreram violência ou assédio no ambiente profissional, com mulheres jovens e imigrantes entre os mais vulneráveis.
Assédio Corporativo no Brasil: Pesquisa KPMG 2024
No Brasil, a Pesquisa do Mapa do Assédio 2024, realizada pela KPMG, entrevistou mais de 500 pessoas de diferentes profissões e níveis socioeconômicos. Nos últimos 12 meses, 30% relataram ter sofrido assédio, sendo 41% no ambiente de trabalho.
Quase metade enfrentou assédio moral e/ou psicológico, e 14% foram vítimas de assédio sexual. Assustadoramente, 92% não denunciaram por medo ou descrédito no sistema.
Embora o conhecimento comum restrinja o assédio a duas categorias — moral e sexual —, na realidade, existem seis. Dessa forma, além dos citados, há o:
- vertical (entre superior e subordinado),
- horizontal (entre colegas da mesma hierarquia),
- misto (coordenado entre diferentes níveis hierárquicos) e
- organizacional (quando a própria empresa incentiva ou tolera o assédio).
O assédio organizacional se manifesta de diversas formas:
- metas abusivas e inatingíveis;
- controle excessivo do tempo de trabalho (como restrição ao uso do banheiro);
- pressão psicológica intensa;
- humilhação coletiva e
- dinâmicas constrangedoras impostas aos funcionários.
No caso das mulheres, são comuns a infantilização, interrupção constante, apropriação de ideias, questionamento da sanidade mental, críticas sobre gravidez e piadas sexistas. Ainda, em contextos eleitorais, pode ocorrer coação para influenciar o voto. Com efeito, as microagressões, por sua vez, são atos sutis, mas constantes, de hostilidade e depreciação.
As consequências são devastadoras:
- baixa autoestima,
- depressão,
- estresse,
- pensamentos suicidas,
- insônia,
- dores físicas,
- hipertensão e
- agravamento de doenças preexistentes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o burnout (esgotamento mental) como um fenômeno ocupacional ligado a condições de trabalho opressivas. Ambientes corporativos abusivos e casos de assédio corporativo estão entre os principais causadores da síndrome.
A ascensão do Revenge Quitting e o impacto nas empresas
Diante desse cenário, cresce o movimento revenge quitting — a “demissão por vingança” —, impulsionado pela Geração Z. Segundo a Forbes Brasil, essa prática tende a atingir seu auge em 2025, com profissionais deixando abruptamente empresas que negligenciam o bem-estar dos funcionários. A relação entre empregados e empregadores está mudando, e corporações que se recusam a se adaptar enfrentarão consequências severas.
A pesquisa “Combate ao Assédio nas Organizações: Panorama 2024”, da Protiviti Brasil, revela que 20% das empresas nunca promoveram treinamentos preventivos. Além disso, 58% não possuem políticas de diversidade, equidade e inclusão — aspectos essenciais para mitigar o problema. Outro dado alarmante: 47% das empresas não capacitam os responsáveis por investigar denúncias, comprometendo a credibilidade do processo.
Aspectos legais
Entre 2020 e 2023, a Justiça do Trabalho julgou mais de 419 mil ações de assédio. No período, os casos de assédio sexual aumentaram 44,8%, enquanto os de assédio moral cresceram 5%. Inegavelmente, empresas que negligenciam essas questões estão sujeitas a sanções legais e danos irreparáveis à reputação.
A Lei 14.457/2022 tornou obrigatória a implementação de canais de denúncia para empresas com CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Além disso, segundo estudo da KPMG, 85% das denúncias nas empresas são feitas anonimamente, refletindo a insegurança dos funcionários em expor os abusos.
Para combater o assédio, é essencial oferecer suporte emocional e psicológico, promover campanhas internas para incentivar denúncias seguras e garantir anonimato e confidencialidade. Ademais, empresas que falham em estabelecer mecanismos eficazes podem enfrentar processos trabalhistas e sérios prejuízos institucionais.
Denuncie!
Registre datas, locais, envolvidos e testemunhas. Junte provas como e-mails, mensagens e áudios. Denuncie na Ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho ou em órgãos como o Ministério Público do Trabalho. Para casos de assédio sexual, ligue para a Linha 180.
Vale ressaltar que, embora a maioria das vítimas sejam mulheres, a masculinidade tóxica impede muitos homens de reconhecerem quando também são alvos.
Dessa forma, romper o ciclo de silêncio é essencial para desmantelar a cultura do assédio enraizada nas empresas. Mudanças estruturais e responsabilização dos infratores são passos fundamentais.
Se você já foi vítima de assédio organizacional e/ou da negligência dos superiores, não deixe a situação passar do “foi só uma vez” para agir. O meu ato de coragem foi escrever este artigo. Qual será o seu?
Por Lis Conce, jornalista e consultora em marketing digital, paulista de coração e contadora de histórias por vocação. Com experiência na construção de narrativas que conectam marcas e pessoas, transita entre a cultura corporativa, a saúde mental, os esportes e o mundo da moda — sempre guiada pela força das palavras e pelo impacto que elas podem causar.
🎧 No episódio 168 do RHPraVocê Cast, mergulhamos na discussão sobre a presença dos sentimentos emocionais no ambiente corporativo. Por que esse tema é tão espinhoso? E como as emoções afetam o engajamento, a produtividade e as finanças das empresas?
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Falar sobre os sentimentos emocionais no escritório é como navegar por um território delicado. Afinal, a felicidade, a tristeza e outras emoções permeiam cada aspecto da jornada profissional. Mas como lidar com elas de forma construtiva?
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Neste episódio, convidamos duas especialistas da Coppead/UFRJ: Paula Chimenti, Professora e Coordenadora do Centro de Estudos em Estratégia e Inovação, e Fernanda Souza, doutoranda e pesquisadora. Assim elas compartilham insights valiosos sobre como abordar o tema dos sentimentos emocionais nas organizações.
Confira o episódio completo. Em suma, descubra como a gestão dos sentimentos emocionais pode ser um diferencial competitivo para as empresas!
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