Em 2011, uma charge viral retratava a Microsoft como um campo de batalha corporativo: divisões internas armadas umas contra as outras, simbolizando uma cultura de competição destrutiva e silos organizacionais. Essa imagem, embora caricatural, refletia uma realidade preocupante dentro da gigante da tecnologia.
Quando Satya Nadella assumiu a liderança da Microsoft em 2014, encontrou uma empresa com um valor de mercado de aproximadamente US$ 300 bilhões, enfrentando estagnação e desafios internos significativos.
Inspirado pela psicóloga Carol Dweck e sua pesquisa sobre "growth mindset" (mentalidade de crescimento), Nadella promoveu uma mudança profunda na cultura organizacional da Microsoft. Ele incentivou os funcionários a adotarem a postura de "aprende-tudo" (learn-it-all) em vez de "sabe-tudo" (know-it-all), valorizando a curiosidade, a colaboração e o aprendizado contínuo.
“Eu disse aos meus colegas que não estava falando de crescimento de resultados. Estava falando do nosso crescimento individual. Cresceremos como empresa se todos, individualmente, crescerem em suas funções e em suas vidas.” – Satya Nadella
Essa transformação não foi apenas simbólica. A Microsoft revisou seus sistemas de avaliação de desempenho, eliminando o "stack ranking" — um método que classificava os funcionários em uma curva forçada, fomentando a competição interna. Em seu lugar, implementou um modelo que valorizava: Impacto individual, Contribuição para o sucesso dos colegas e a Capacidade de alavancar o trabalho dos outros.
Além disso, a empresa introduziu o framework "Model, Coach, Care", incentivando os líderes a serem exemplos, mentores e cuidadores de suas equipes.
A mudança cultural teve impactos significativos nos resultados da Microsoft. Desde 2014, o valor de mercado da empresa chegou a US$ 3 trilhões, superando a Apple e consolidando-se como uma das empresas mais valiosas do mundo.
Avance para 2025. No palco do SXSW, Mike Bechtel, futurista-chefe da Deloitte, traz em sua palestra justamente com essa abordagem, com o título “Why the Future Favors Learn-it-alls Over Know-it-alls” (Por que o futuro favorece os que aprendem tudo em vez dos que sabem tudo) ele lança uma bomba no meio da plateia: “A era da especialização acabou.”
Em meio à evolução acelerada da tecnologia, a IA está redesenhando funções, automatizando tarefas cognitivas e exigindo que humanos sejam ainda mais... humanos. Isso inclui: pensamento crítico, capacidade de conexão entre áreas, criatividade não linear, curiosidade sistemática. Não é mais sobre saber de tudo, mas como conectar tudo.
Bechtel propôs que o ideal não é ser um especialista profundo “I”, ou profissionais em formato "T", com uma base ampla e um pilar de profundidade, o futuro agora exige profissionais “X”, que conectam expertises, tecnologias e humanos de forma transversal, criativa e imprevisível.
Bechtel argumenta que, em um mundo em constante mudança, a especialização excessiva pode limitar a inovação. Ele defende que a diversidade de conhecimentos e a capacidade de aprender continuamente são mais valiosas do que a expertise em um único domínio. Ian Beacraft, outro futurista queridinho do evento, chama esses profissionais de “generalistas criativos”.
E aqui está o ponto central para refletirmos: estamos recrutando e formando pessoas “X”? Ou continuamos buscando o “melhor técnico” com MBA na prateleira? A adoção da mentalidade "Learn It All" implica em repensar práticas tradicionais de gestão de talentos.
O que a Microsoft entendeu cedo é que a transformação não começa na tecnologia — começa na capacidade de aprendizagem e adaptabilidade das pessoas. Num mundo onde a IA já é coautora, coanalista, coestrategista, a única forma de se manter relevante é ser mais aprendiz do que especialista.
Então, como poderíamos criar ambientes que estimulem a aprendizagem intencional e contínua em nossas pessoas e organizações?
Andréa Dietrich, Cofundadora da Ambidestra, estrategista de transformação digital, Linkedin Creator, podcaster e palestrante. Lilian Cruz, Cofundadora da Ambidestra, podcaster e speaker, consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação. São colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.