Após ser instalado o debate sobre a escala 6x1 — uma folga a cada seis dias de trabalho —, no último trimestre de 2024, o tema volta a estar na mira das mudanças no Brasil. A partir de uma grande campanha popular, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim desse modelo alcançou o número necessário de assinaturas para tramitar no Congresso Nacional. Hoje, 64% dos brasileiros defendem o fim da escala 6x1, mostra pesquisa Datafolha publicada há menos de um mês. A discussão, que envolve produtividade, saúde mental e qualidade de vida, também requer um olhar cuidadoso das lideranças de Recursos Humanos (RH).

Defendo que a transição para um modelo 5x2, no qual o trabalhador teria dois dias de descanso semanal, é uma evolução viável para depois pensarmos na escala 4x3. No entanto, essa mudança deve ser acompanhada de estratégias claras para que empresas e trabalhadores possam se ajustar de forma sustentável.

É inegável o impacto da escala 6x1 para o bem-estar. O Brasil é o segundo país com mais casos de Síndrome de Burnout, atrás apenas do Japão, segundo a International Stress Management Association (ISMA). A alta carga horária de trabalho e o pouco tempo para descanso agravam essa situação. No país, a média de trabalho semanal é de 39 horas, maior do que em países como Estados Unidos (38 horas), Alemanha (34,2 horas) e Canadá (32,1 horas), de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Essa realidade é ainda mais dura para as mulheres, que muitas vezes enfrentam dupla jornada. Um levantamento da Infojobs revelou que 83% das brasileiras que trabalham fora também lidam com afazeres domésticos e cuidados familiares, aumentando o desgaste físico e mental. Se praticamente não existe uma rede de apoio para as mulheres, precisamos pensar nisso ao criar as regras trabalhistas; afinal, elas são metade da população.

Experiências internacionais reforçam que a redução da jornada pode trazer benefícios sem comprometer a produtividade. Uma pesquisa realizada pelo The Autonomy Institute, na Inglaterra, mostrou que 92% das 61 empresas participantes optaram por manter a jornada reduzida após testes, constatando que o desempenho não foi afetado. No Brasil, a transição para um modelo 5x2 pode ajudar a mitigar os impactos da exaustão laboral, além de promover uma cultura corporativa mais saudável. Para que essa mudança seja bem-sucedida, o RH precisa adotar práticas que equilibrem os interesses do negócio e o bem-estar dos colaboradores.

Primeiramente, é preciso fazer um planejamento de transição: antes de implementar qualquer mudança, é fundamental realizar estudos de viabilidade, considerando demandas específicas do setor e estratégias para reorganizar as escalas de trabalho. O passo seguinte é realizar um treinamento sobre gestão de tempo e produtividade para gestores e suas equipes, como forma de garantir que toda a empresa esteja alinhada sobre a mudança de carga horária.

Nesse processo, é indispensável manter um diálogo transparente com os colaboradores. As lideranças devem manter uma comunicação clara com suas equipes, explicando as razões da mudança, os benefícios esperados, e também estarem abertas a receber dúvidas e sugestões. Além disso, é muito importante incentivar políticas de saúde mental e promover um ambiente de trabalho harmonioso como forma de reforçar o compromisso da empresa com o bem-estar dos colaboradores e também de manter a produtividade em alta, com um time que não desperdiça tempo de trabalho com conflitos internos.

Para os pequenos e médios empresários, o fim da escala 6x1 pode parecer um desafio maior, mas a proposta da PEC prevê medidas de compensação, como incentivos fiscais, que podem ajudar a sustentar a transição. Ressalto aqui que o alinhamento com práticas mais humanas pode melhorar o engajamento dos colaboradores e reduzir o turnover, trazendo ganhos financeiros a médio e longo prazo para a empresa. É hora de abrirmos a mente para pensarmos em novas relações de trabalho.

Raissa Florence é cofundadora e diretora de Growth da Koru. Com uma carreira dinâmica e especialização em princípios da liderança na Harvard University. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.